
A Revolta de Frans Krajcberg
Em 1960, a implantação da capital do Estado brasileiro em Brasília abalou profundamente Frans Krajcberg. A construção da rodovia Brasília-Belém abriu uma brecha irreparável na natureza exuberante que ele tanto amava... para ele, tornou-se urgente agir.
« Minha escultura tornou-se engajada. É a minha revolta que quero expressar. Há apenas uma solução para o artista moderno. Ou sua arte participa da nossa terceira revolução industrial, a da eletrônica, comprometendo-se com o progresso, ou luta contra as consequências, contra essa poluição que é tão temível quanto as bombas atômicas. É preciso escolher, e eu escolhi lutar, expressar-me não mais apenas com a beleza das formas da natureza, mas com essa natureza que se está fazendo morrer. Minhas esculturas hoje são como o memorial desse desastre que vejo e no meio do qual vivo. »
Muito à frente na consciência das questões ambientais em escala planetária, Frans Krajcberg se engaja definitivamente nessa luta no início dos anos 1970, tornando-se um dos pais do movimento Antropoceno, que atribui ao Homem um papel determinante no equilíbrio do planeta. A arte, por tocar nossa sensibilidade profunda, lhe dá os meios para agir sobre a sociedade e o coloca « no centro de todo projeto de civilização, integral e radicalmente ».
Durante toda sua vida, Frans Krajcberg sonhou com gestos artísticos radicais: « O gesto absoluto seria descarregar, tal quais, numa exposição, um caminhão de madeiras calcinadas, recolhidas no campo. Minha obra é um manifesto. Eu não escrevo: não sou político. Preciso encontrar a imagem. Se pudesse espalhar cinzas por toda parte, estaria o mais próximo possível do que sinto ».

Ele entra em contato com os habitantes da floresta, com quem se sente próximo pelas tradições, modo de vida ou arte. Seu trabalho é difícil, por vezes colocando sua vida em risco, e revela uma dor muito profunda. As feridas abertas após a destruição de sua família durante a guerra se agravam ao ver os hectares de floresta desaparecendo diante de seus olhos.
“A natureza amazônica questiona minha sensibilidade como homem moderno. Também desafia a escala dos valores estéticos tradicionalmente reconhecidos. O caos artístico atual é a conclusão da evolução urbana. Aqui, enfrentamos um mundo de formas e vibrações, o mistério de uma mudança contínua. Devemos saber tirar proveito disso. A natureza integral pode dar um novo significado aos valores individuais de sensibilidade e criatividade. (Com Pierre Restany e Sepp Baendereck) lançamos o Manifesto do Rio Negro (em 1978), no dia em que o Brasil se abria para a democracia: os militares haviam acabado de anistiar os opositores. Foi o primeiro debate após a ditadura, nunca se havia falado sobre a destruição das florestas. Os ataques foram violentos. Alguns não aceitavam que três “gringos” falassem sobre o Brasil. O manifesto foi apresentado em Curitiba, Nova York, Paris, Roma e Milão.” … “O massacre que vi na floresta amazônica, nunca vi em outro lugar, nem mesmo durante a guerra.”

© Claude Mollard
Para expressar o que ele chama de « sua revolta », Frans Krajcberg encontra inspiração nos elementos naturais que a natureza maltratada pelo homem lhe oferece. Ele quer alertar, denunciar, gritar para o mundo os males da destruição. Fragmentos de natureza abandonados, cuja beleza o emociona, lhe dão os meios para se expressar numa linguagem universal. As carnes vegetais feridas ou mortas que tanto o inspiram lhe fornecem as ferramentas indispensáveis para despertar nossa consciência adormecida.
No entanto, suas obras mostram a destruição, a morte, mas também o renascimento, a renovação. Como um arqueólogo experiente, ele busca nesse mundo que está desaparecendo o rastro do homem. Totalmente investido nessa luta, que lhe impõe diariamente uma rigor e um esforço físico consideráveis, ele « trabalha » sem descanso.
« Trabalhar, trabalhar... ». Apesar da idade ou da doença, uma disciplina de ferro marcou seu cotidiano até a morte.
« Eu mostro a violência contra a natureza feita à vida. Eu expresso a consciência planetária revoltada. A destruição tem formas, embora fale do inexistente. Eu não procuro fazer escultura. Procuro formas para o meu grito. Essa casca queimada, sou eu. Eu me sinto na madeira e nas pedras. Animista? Sim. Visionário? Não, sou um participante deste momento. Meu único pensamento é expressar tudo o que sinto. É uma luta enorme. Pintar a música pura não é fácil. Como fazer uma escultura gritar como uma voz? Que haja na minha obra reminiscências culturais, reminiscências da guerra, no inconsciente, com certeza. Com todo esse racismo, esse antissemitismo, eu não podia fazer outra arte. Mas eu expresso principalmente o que vi ontem no Mato Grosso, na Amazônia ou no Estado da Bahia. »
Em 1975, Frans Krajcberg foi convidado a expor em Paris, no Centre National d’Art Moderne, Georges Pompidou, ainda em fase de pré-inauguração. Embora o edifício ainda estivesse em construção, a exposição foi organizada sob o seu selo. Ele conheceu Claude Mollard, então Secretário-Geral do Centre Pompidou, com quem manteria uma ligação até o fim da sua vida.
Pierre Restany redigiu o catálogo da exposição, amplamente elogiada pela crítica. O evento gerou debates apaixonados com o público, que fortaleceram a vontade de Frans Krajcberg de mostrar a natureza esquecida para denunciar a natureza ameaçada pela expansão urbana da terceira revolução tecnológica.
“Algo mexia em mim. Um caminho continuava. Os debates no CNAC o esclareceram. Ali tomei consciência de que a arte pela arte havia acabado e que eu queria que minhas esculturas fossem testemunhas desse desastre.”
Outro choque decisivo foram os incêndios que devastavam a floresta brasileira. Em 1985, durante uma primeira viagem ao Mato Grosso, região selvagem e exuberante no centro do Brasil, ele assistiu impotente aos incêndios provocados intencionalmente por grandes proprietários para desmatar terras destinadas à pecuária extensiva. Revoltado, realizou um longo trabalho fotográfico sobre as florestas em chamas: Queimadas.
Suas fotos mostram claramente o papel do homem nessa destruição massiva. Ele foi o primeiro artista renomado a usar a fotografia para denunciar ativamente os incêndios.
Frans Krajcberg é, e continuará sendo, um militante ativo que mostra e denuncia incansavelmente. Nos anos 1980, sua notoriedade lhe permitiu agir no cenário internacional e afirmar-se como artista militante. Foi convidado a expor seu trabalho em todo o mundo. Apresentou suas “Révoltes” em Cuba, Nova York e Estocolmo. Em 1988, participou do simpósio sobre meio ambiente em Seul e do movimento "Médicos Sem Fronteiras" na Romênia, atuando como artista. Esses anos de luta foram marcados por vários acontecimentos decisivos:
Em 1987, viajou pela terceira vez para a região selvagem do Mato Grosso.
Em 22 de dezembro de 1988, Chico Mendes, o primeiro a defender uma consciência ecológica no Brasil e além das fronteiras, foi assassinado. Suas ações ajudaram a salvar cerca de 1.200.000 hectares de florestas. Frans Krajcberg prestou homenagem a ele esculpindo uma seringueira ferida, com profundas linhas vermelhas que evocam sangue. Uma placa comemorativa em madeira pirogravada leva o nome do militante mártir.
Em Rio Branco, no estado do Acre, Frans Krajcberg fotografou incansavelmente a floresta devastada e recolheu elementos dispersos para suas esculturas. Tentou convencer os agricultores a renunciar ao desmatamento, o que lhe rendeu ameaças de morte diversas vezes.
Conheceu o Cacique (líder espiritual) indígena Raoni e engajou-se ao seu lado na defesa da causa dos povos indígenas da Amazônia, com quem mantém laços amistosos e militantes.
Nos anos 1990, ele alcançou a consagração esperada, associando definitivamente o artista ao militante.
Em 1990, foi convidado a Moscou para o Congresso Internacional de Ecologia. Foi a primeira vez que retornou à Rússia desde seus estudos na Escola de Belas Artes de Leningrado.
Em 1992, a Conferência Mundial sobre Meio Ambiente ocorreu no Rio de Janeiro. Os Museus de Arte Moderna de Salvador e do Rio homenagearam a obra de Frans Krajcberg. No Rio, sua exposição “Imagens do Fogo” atraiu mais de 300.000 visitantes com imagens de florestas devastadas pelo fogo, onde as árvores parecem crescer carbonizadas, onde os perfumes, sons e cores não mais correspondem ou se combinam. A floresta, metáfora da memória e do inconsciente coletivo, antigo paraíso terrestre, não passa de um amontoado de madeira carbonizada pelo homem. Os troncos queimados, recolhidos por Frans Krajcberg, erguidos e postos em majestade, carregam um grito de sofrimento em estado bruto. Em Paris, a exposição “Américas Latinas”, no Centre Georges Pompidou, apresentou várias de suas obras.
Em 1996, esteve no centro da exposição “Villette-Amazônia” na Grande Halle de la Villette. Sob a responsabilidade de Jacques Leenhardt e Bettina Laville, a exposição colocou o meio ambiente como prioridade para o século XXI.
Em 1998, expôs na Fundação Cartier, na exposição “Être Nature”.
Em 2003, a exposição “Arte e Revolta”, organizada no novo Museu do Montparnasse, localizado na rua onde fica seu ateliê, prestou-lhe homenagem.
O 'grito de Bagatelle'
Em 2005, é o ano do Brasil na França. Para a França, o Comissário-Geral é Jean Gautier, que há muito tempo está em contato com os círculos brasileiros e conhece Frans Krajcberg. As autoridades brasileiras desejam que o evento seja a ocasião de uma grande retrospectiva em Paris, que terá uma dimensão excepcional! A Cidade de Paris cede o Parc de Bagatelle, local emblemático, já que foi da planície de Longchamp que Alberto Santos Dumont realizou, em 1906, o primeiro voo para o Brasil.
Sylvie Depondt assume a curadoria geral e o catálogo. Claude Mollard e Pascale Lismonde publicam uma biografia detalhada, La Traversée du Feu. Todas as equipes, tanto brasileiras quanto da Direção dos Espaços Verdes e do Meio Ambiente da Cidade de Paris (DEVE), que coordenam a instalação no local, dedicam-se integralmente a este evento excepcional.
Mas 2005 também é a ocasião para celebrar os cem anos da aquisição do domínio de Bagatelle pela Cidade de Paris e para lembrar que isso foi possível graças à iniciativa de Jean Claude Nicolas Forestier. Visionário, o conservador do bosque de Boulogne previa seu desmantelamento se o local fosse adquirido por promotores imobiliários. Sem hesitar em arriscar sua própria fortuna para lançar uma campanha de imprensa impressionante, ele venceu a batalha e, em 1905, a propriedade do Conde de Artois e seu parque passaram a pertencer à Cidade de Paris. O tema das florestas urbanas e periurbanas se impunha, profundamente atual no contexto das grandes metrópoles de hoje. Permitindo refletir sobre o papel social e ambiental desses espaços indispensáveis ao equilíbrio dos citadinos. A UNESCO tornou-se parceira enquanto Paris e os municípios do Rio e São Paulo se associaram ao debate. Frans Krajcberg viu aí a oportunidade de lançar seu “Grito para o Planeta”, que queria fazer ecoar com força. A exposição passou a se chamar “Diálogos com a Natureza”, uma vibrante homenagem a Frans Krajcberg e sua obra, além de um espaço para encontros e debates sobre meio ambiente e o futuro das grandes metrópoles. A exposição foi aberta em 6 de junho na presença de várias personalidades, entre elas Gilberto Gil, então Ministro da Cultura do Brasil, e Walter Salles, que dedicou a Frans Krajcberg um de seus primeiros filmes.
A exposição ficou aberta por vários meses e foi animada diariamente pelo próprio Frans Krajcberg, que não hesitava em receber os visitantes no local. O público parisiense e os turistas, encantados, aderiram completamente à proposta. Mais de 450 mil visitantes em um ano! As crianças das escolas e centros de lazer que percorreram a exposição durante o verão foram preparadas previamente por seus professores. Já haviam descoberto Frans Krajcberg na feira de imprensa e livro infantil de Montreuil, onde ele foi homenageado. O filme de Éric Darmon e Maurice Dubroca, Retrato de uma Revolta, ajudou-os a entender melhor esse homem cuja força de vida os fascina. Alguns saíram chorando da sala de projeção e correram para junto dele. Pois ele estava ali, presente, pronto para dialogar, trocar ideias e até desenhar com eles. Frans Krajcberg foi reconhecido, ouvido e adorado por esse público jovem, algo novo para ele.
Para Bertrand Delanoë, então prefeito de Paris, para os eleitos da Prefeitura e para os representantes brasileiros, foi a ocasião de afirmar seu compromisso com o debate ambiental. Frans Krajcberg se consolidou como um ator essencial nessa grande discussão. Os encontros reuniram especialistas e responsáveis que redigiram um manifesto, acompanhado de recomendações concretas, assinadas oficialmente no outono. Seu conteúdo foi lido em Curitiba durante os encontros internacionais sobre meio ambiente no fim do ano. O tão esperado “Grito para o Planeta” de Frans Krajcberg foi lançado pela primeira vez.
O Manifesto assinado em Bagatelle em 2005 foi apresentado nos debates ambientais de Curitiba, capital “ecológica do Brasil”, que recebeu um prêmio da ONU por sua exemplaridade na estratégia de desenvolvimento urbano. Frans Krajcberg esteve presente e participou dos debates.
Frans Krajcberg doou à Cidade de Paris cerca de vinte obras emblemáticas para serem instaladas no Espaço Krajcberg, “seu espaço”! A partir daí, pôde divulgar sua mensagem de forma permanente. Para Frans Krajcberg, haveria, como dizia, “um Antes e um Depois de Bagatelle”.


© Luiz Garrana
O « grito pelo planeta » e a COP 21
Em 2008, Ano Mundial da Árvore, Frans Krajcberg está presente na exposição O Grito – Ano Mundial da Árvore, no Palacete das Artes Rodin, na Bahia.
Em 2012, sua obra está presente em João Pessoa, em Natureza Extrema, para a inauguração do Museu Estação Cabo Branco. E dez anos após a exposição de Bagatelle, seu “Grito pelo planeta” se impõe nas negociações internacionais sobre o meio ambiente.
Em 2015, Frans Krajcberg e o Espaço Frans Krajcberg desempenham um papel importante na COP21, recebendo uma delegação de líderes indígenas, guardiões do equilíbrio ecológico, climático e cultural em escala planetária. Trata-se de impor sua presença, apesar da notória ausência, nas negociações de Paris sobre o clima. Durante alguns meses, o Espaço Frans Krajcberg foi um laboratório de ideias e trocas, uma “antena da Amazônia em Paris”.
2015 é o Ano do Clima. As negociações têm lugar em Paris no âmbito da COP21. No Brasil, “O Grito para o Planeta” ecoa no Museu do Meio Ambiente – Museu do Meio Ambiente, no Jardim Botânico do Rio de Janeiro.
Em Paris, o Espaço Krajcberg acolhe representantes da França, do Brasil, do Peru, dos povos indígenas e artistas para impor a proteção da floresta amazônica, garantidora do equilíbrio ecológico, climático e cultural de nossa terra, nos debates oficiais.
Artistas, militantes, ecologistas, personalidades políticas e representantes dos povos indígenas unem-se para chamar a atenção sobre a urgência de proteger eficazmente a maior floresta do planeta. Exposições, conferências, colóquios e projeções são organizados para fazer ouvir a voz dos povos da floresta amazônica.
A exposição “Do Manifesto do Rio Negro ao Manifesto Ashaninka” é inaugurada em 24 de novembro, enquanto fotografias das obras de Frans Krajcberg e retratos de indígenas por Anouk Garcia são instaladas na esplanada da Gare Montparnasse;
de 25 a 27 de novembro, é organizado um colóquio pela UNESCO e pelo Museu do Homem sobre “Os Povos Indígenas frente às Mudanças Climáticas” com Benki Piyãnko Ashaninka e Marishori Ashaninka e “As mudanças climáticas do Alto Juruá – Brasil, Ucayali – Peru e a luta dos Ashaninka pela proteção da biodiversidade”;
no dia 28 de novembro: encontro com a delegação indígena no Espaço Frans Krajcberg (projetos, desafios, alertas e reivindicações para a COP21);
de 1 a 6 de dezembro, no Museu do Quai Branly: conferência e Festival de filmes do projeto “Vídeos Nas Aldeias” (“Vídeos nas Aldeias, 30 anos de cinema indígena”), com Vincent Carelli; “Luta, projetos e soluções do povo Ashaninka (Brasil e Peru)”;
em 7 de dezembro, no Espaço Frans Krajcberg ocorre o colóquio “Imaginário e representação do indígena” (ficções, ensaios, testemunhos da Amazônia), organizado pela Universidade Sorbonne Nouvelle Paris-3 e no Bourget, Pavilhão dos Povos Indígenas: colóquio sobre “Os povos da fronteira amazônica frente às mudanças climáticas”, com Puwé Luiz Puyanawa, Yubé Huni Kuin, Moisés, Wewito, Dora Jiribati; e na Universidade de Toulouse Jean Jaurès, departamento de filosofia e Praça do Capitólio: intervenções públicas de Benki Piyanko Ashaninka e Marishöri Najashi, encontros políticos e artísticos.

